domingo, 24 de julho de 2011

Não quero ser velha!


Não, não quero ser velha.
Ficar agarrada a uma cadeira,
Que apesar das rodas não gira.
Esquecer que não posso andar,
E dar uma queda como castigo.
Não quero viver adormecida ,
De olhos abertos.
Colocada numa sala como uma boneca,
Retida, arrumada no mesmo canto,
Para evitar problemas no trânsito.

Eis que passa o senhor IC19, assim baptizado
Porque mesmo sem perna acelera a cadeira!
Atrás dele grita a emfermeira:
"Quieto, páre, não saia do sítio!"

Uma bela idosa de quase cem anos,
Surda, mas com todo o juízo,
Está dia após dia junto a uma janela.
Espera, ansiosa, seu filho já velho.
Acaricio-a com toda a ternura,
Dá-me um grato sorriso nos olhos azuis.
Todos os dias abraço a demência,
Sorrio à tristeza,
Beijo a solidão.

Lá adiante, uma senhora ainda nova,
De nome rimando com mar,
Não pára de me mirar.
Parece muda, mas não é,
Apenas não quer falar.
Ah, e a pobre da chorona idosa,
Prende-me a mão e sinto-a tremer.
Repte-me sempre o mesmo, chorosa:
" Como está a senhora? Prazer em conhecer."

Cérebro vazio, não tem nada lá!
Assim me apresentaram o senhor A.
Tal qual um zombi vai caminhar,
Logo é barrado com um :"Vá-se sentar!"
Dizem que ricas empresas geria,
De hoje ele não sabe nem o dia...

O pessoal trabalha no duro.
Acorre a quem a fralda não chega,
Dá de colher a comida à boca,
Limpa a baba que escorre na ruga.
É uma correria até ser escuro.
Sai-se cansado e de cabeça louca!

Chega a noite.Calma para uns.
Adormecidos na paz de valiums.
Porém, outros, mais aguerridos,
Toda a noite lutam doloridos,
Contra os fantasmas que os violam.
Então, gritam e rasgam-se,
Na luta violenta contra o inimigo,
Que eles vêem, ouvem e sentem.
Nus e frios derrubam as grades das camas,
Vistas como prisões horrendas.
Pedem ajuda, mas ninguém vem!
Julgam eles, porque não vêem...
Seus olhos vazios, sem luz,
Olham apenas para dentro de si.
Aí, bem no fundo, tudo se passa
Tal como no cinema,
Em sala escura com filme de terror.

Não, não quero ser velha!
Não importam as rugas,
O adeus à beleza
Não é por vaidade que não quero ser velha.
É porque não quero que sofram por mim,
O que eu sofro por eles!


Milucha

1 comentário:

Anónimo disse...

Teria saído melhor em prosa; mais profundo, arrebatador - um grito de raiva.

Inácio

Ah! mesmo não parecendo continuo deste lado,

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